Usar uma bomba de insulina durante a gravidez: um guia
As mulheres com diabetes tipo 1 podem recorrer a diversas tecnologias para gerir a sua diabetes antes, durante e após a gravidez [1]. Uma destas tecnologias para a diabetes é a terapêutica com bomba de insulina [1].
Ter diabetes e estar grávida são situações que apresentam alguns desafios [2], pelo que, cada vez mais, as pessoas recorrem a tecnologias como bombas de insulina para enfrentar estes desafios [1,2].
Mas o que precisa de saber sobre a utilização de uma bomba de insulina durante a gravidez? E quais são os riscos e benefícios da tecnologia da bomba de insulina durante a gravidez?
Neste artigo, apresentamos algumas respostas a estas perguntas. Também fornecemos informação que pode ajudar a conhecer melhor a utilização de uma bomba de insulina e recomendações de uso a ter em conta antes, durante e após a gravidez.
Gravidez e diabetes: apresentam alguns desafios únicos

A gestão da glicemia durante a gravidez é difícil devido a vários fatores como as grandes variações nas necessidades de insulina , devido às constantes alterações hormonais [2].
Se tem diabetes e está a planear engravidar, deve ter alguns aspetos em atenção:
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os níveis-alvo de glicemia serão mais apertados (rigorosos) durante a gravidez do que fora da gravidez [3].
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A hiperglicemia durante a gravidez apresenta riscos para o feto e aumenta o risco de parto prematuro e complicações neonatais; se desenvolver níveis de glicemia elevados, será fundamental reagir prontamente [3].
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Devido às constantes alterações hormonais durante a gravidez, as suas necessidades de insulina irão flutuar e variar bastante [2], quer durante a gravidez como após o parto [3]. Por exemplo, no início da gravidez, aumenta a sensibilidade à insulina [1]. Contudo, à medida que a gravidez evolui, a resistência à insulina aumenta [1].
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O risco de hipoglicemia na mãe é maior durante a gravidez, em especial no final do primeiro trimestre e início do segundo, bem como após o parto. [3]. Cerca de 10% das mulheres com diabetes dão entrada no hospital, pelo menos, uma vez durante a gravidez devido a hipoglicemia [3]. Isto resulta das necessidades do feto, que reduz os níveis de glicemia da mãe [2].
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Durante a gravidez, existe maior risco de cetoacidose diabética [3]. Isto porque a gravidez é um estado cetogénico [3] (um estado metabólico em que o sangue regista uma elevada concentração de cetonas ).
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Náuseas, vómitos e falta de apetite podem tornar a gravidez mais desafiante para uma pessoa com diabetes tipo 1 [1].
O objetivo da terapêutica de insulina durante a gravidez é conseguir um nível de glicemia semelhante ao das mulheres grávidas sem diabetes e com tolerância normal à glicose [2], o que pode ajudar a reduzir alguns dos riscos mencionados acima [2].
Sobre as bombas de insulina
Uma bomba de insulina é um pequeno dispositivo eletrónico que fornece continuamente insulina de ação rápida ao organismo [4].
É frequente a insulina ser fornecida através de um pequeno cateter introduzido no tecido subcutâneo e fixado na pele com um adesivo [4]. O local onde o cateter é introduzido sob a pele é denominado conjunto de infusão ou uma cânula de infusão [4].
Na maioria das bombas, o conjunto de infusão é ligado à bomba, que contém um reservatório de insulina , através de uma tubagem de plástico [4]. As bombas incluem ainda uma interface que lhe permite dar instruções ao dispositivo [1].
Algumas bombas, denominadas como “bombas adesivas”, dispensam a tubagem e são coladas diretamente na pele [4]. Estas bombas fornecem a insulina através do conjunto de infusão e são programadas a partir de um dispositivo portátil e remoto, com recurso à tecnologia sem fios [4].
As bombas de insulina também são denominadas de infusão contínua de insulina por via subcutânea (CSII) [1,4].
Pode usar uma bomba de insulina durante a gravidez?
De forma simples, sim. A utilização da bomba de insulina está a ganhar popularidade durante a gravidez, porque replica de forma mais aproximada o fornecimento de insulina de um pâncreas humano saudável [2].
Existem múltiplas orientações que também recomendam a utilização da bomba de insulina durante a gravidez, para gerir os níveis de glicemia [2].
Diversas associações de diabetes e organismos governamentais aprovam a utilização de bombas de insulina durante a gravidez [1,2].
Benefícios e riscos da utilização da bomba de insulina durante a gravidez
Os dados de elevada qualidade sobre ensaios com terapêutica CSII durante a gravidez são limitados [1]. Contudo, os estudos existentes sugerem que as bombas de insulina apresentam os seguintes benefícios e riscos.
Benefícios das bombas de insulina
Abaixo são apresentadas algumas vantagens e benefícios da terapêutica com bomba de insulina durante a gravidez:
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Melhoria na HbA1c [2]
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Redução dos episódios hipoglicémicos [2]
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Redução das flutuações na glicemia [2]
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Redução no número total diário de doses de insulina [2]
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Melhoria da qualidade de vida (QdV) [2]
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Grande flexibilidade do estilo de vida, especialmente, em termos de horários de refeições e viagens [2]
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Tratamento mais fácil dos enjoos matinais [2]
A flexibilidade no fornecimento de insulina através das bombas pode ajudar a conseguir manter os níveis-alvo mais rigorosos de glicemia, apesar da crescente resistência à insulina ao longo da gravidez [1]. A terapêutica com bomba permite um ajuste mais preciso das doses de insulina (até um décimo da unidade de insulina) [1].
Não existem ensaios controlados aleatorizados que comparem as terapêuticas com CSII modernas e MID (múltiplas injeções diárias) na pré-gravidez ou gravidez estabelecida [3]. Contudo, estudos observacionais recentes (embora com limitações) registaram níveis de glicemia inferiores com CSII, comparativamente à terapêutica com MID, no primeiro e segundo trimestres da gravidez [1,2,3].
Riscos e desvantagens das bombas de insulina
Os riscos e desvantagens das bombas de insulina incluem:
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o custo das bombas de insulina e do equipamento associado é elevado [2]
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as bombas de insulina podem resultar em aumento de peso [2]
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risco de infeção se a cânula não for substituída conforme recomendado [2]
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risco de cetoacidose se o fornecimento de insulina for interrompido [2]
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utilização imprópria de bólus pode originar acumulação de insulina e glicemia baixa [2]
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falha da bomba ou do utilizador em fornecer insulina adequadamente pode resultar em hiperglicemia ou cetoacidose [1]
A cetoacidose é uma ameaça especialmente para o feto [1]. Em caso de avaria da bomba (ou em caso de doença), é necessário seguir as regras dos dias de doença [1].
Alguns estudos identificaram taxas de aborto espontâneo mais elevadas entre as utilizadoras de bombas de insulina [3]. Contudo, isto pode resultar do facto de as utilizadoras da bomba planearem os seus cuidados de gravidez mais cedo, o que pode originar um registo mais preciso de abortos espontâneos [3].
Também foi registada uma maior incidência de bebés grandes para a sua idade gestacional nas mulheres que usavam terapêutica com bomba de insulina , comparativamente à terapêutica com MID [3].
Como iniciar uma gravidez com uma bomba
Quando planeia a sua gravidez, a sua equipa de profissionais de saúde deve fornecer-lhe todas as informações necessárias para iniciar a sua terapêutica com bomba de insulina .
Deve abordar a questão com o seu médico, um enfermeiro especialista ou dietista da sua equipa:
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Como manter uma boa gestão da glicemia se estiver a transitar da terapêutica com MID para a bomba [3]
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Como ajustar as definições da bomba de insulina ao longo da gravidez, em função das suas necessidades [3]
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Como alterar as definições após o parto [1]
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O que fazer no caso de uma hiperglicemia inexplicável [3]
É importante estar preparada caso ocorra uma falha no conjunto de infusão ou na bomba, para evitar a hiperglicemia e cetoacidose , que se podem desenvolver no espaço de horas [3]. Deve estar preparada com canetas de insulina de reserva (tanto com insulina de ação prolongada como de ação rápida) [3].
Nos primeiros dias depois de começar a CSII durante a gravidez, é importante monitorizar os níveis de glicemia e contactar a sua equipa de profissionais de saúde diariamente [3]. Deve ajustar as definições da sua bomba a cada 1 a 2 dias até ficar otimizada [3].
Recorrer à terapêutica com bomba de insulina durante a gravidez
Se, junto com o seu médico, optar por usar uma bomba de insulina durante a gravidez, precisa de ter em atenção que os requisitos de insulina vão variar bastante ao longo da gravidez, pelo que terá de rever as definições da bomba com frequência [3].
Por exemplo, poderá necessitar de menos insulina no primeiro trimestre [3]. Contudo, a necessidade vai aumentar a partir das 16 a 20 semanas [3].
Terá de ajustar proporcionalmente as doses de bólus de insulina . Os requisitos de bólus de insulina irão sofrer mais alterações do que a insulina basal durante a gravidez [3].
Poderá também necessitar de definir todos os seus níveis-alvo de glicemia [3].
Regras nos dias de doença
Geralmente, as regras de utilização da terapêutica com bomba de insulina nos dias de doença durante a gravidez são idênticas às situações em que ocorrem fora da gravidez [3].
Contudo, como as mulheres com diabetes têm maior risco de desenvolver cetoacidose diabética (DKA) quando estão grávidas [3], devem rever com o seu médico os valores dos níveis de cetonas a considerar para aumentar a dose de insulina e quais os valores que devem ser considerados como sinal de alarme para procurar serviços médicos de urgência [3].
Resolução de problemas na sua bomba
De uma forma geral, se usar uma bomba de insulina durante a gravidez, o local de infusão deve ser alterado a cada 24 a 48 horas para ajudar na redução do risco de bloqueios (e, consequentemente, níveis de glicemia elevados) e evitar infeções na pele ou problemas na absorção da insulina [2].
Se a sua cânula estiver bloqueada, torcida ou deslocada, pode recorrer a uma injeção subcutânea para prevenir ou corrigir a hiperglicemia enquanto substitui a cânula [1].
Se esta situação não corrigir os seus níveis de glicemia , deve adotar as regras para os dias de doença [1] e monitorizar os seus níveis de cetonas no sangue [1]. Poderá ter de recorrer, temporariamente, à utilização de MID ou perfusão de insulina intravenosa em lugar da bomba [1].
Parto
Se planear usar a sua bomba de insulina durante o parto, os seus níveis de glicemia devem ser cuidadosamente monitorizados [1]. Será necessário realizar ajustes no seu débito basal de insulina ou doses adicionais de bólus de correção [1].
Se a bomba não gerir os níveis de glicemia de forma adequada, podem ser usadas perfusões intravenosas de insulina enquanto a bomba está temporariamente descontinuada [1].
Usar a bomba de insulina quando o bebé nasce

Imediatamente após o parto, a resistência à insulina desaparece [1]. As definições da bomba e a dose de insulina devem ser alteradas para refletir esta situação [1].
Geralmente, as definições após a gravidez serão idênticas às utilizadas antes da gravidez [1]. Contudo, as mulheres estão sujeitas a um maior risco de hipoglicemia até vários dias após o parto [3], por isso, deverá ser revisto o débito basal junto com o seu médico, para prevenir a hipoglicemia [1].
É recomendável a definição de um nível-alvo de glicemia específico para a primeira semana após o parto [3].
As bombas de insulina podem ser usadas durante a gravidez e apresentam muitos benefícios [1,2].
Contudo, também deve ter em consideração alguns riscos [2]. Se optar por esta tecnologia durante a gravidez, vai exigir empenho e cuidado para garantir os melhores resultados possíveis para a sua saúde e para a saúde do seu bebé [3].
Fontes
- Thomas SJ. Crabtree, Anastasios Gazis. Insulin pumps and diabetes technologies in pregnancy: an overview for the obstetrician. Obstetrics, Gynaecology & Reproductive Medicine, Volume 30, Issue 4, 2020, Pages 126-129, ISSN 1751-7214, https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S1751721420300154
- Kesavadev J. Insulin pump therapy in pregnancy. J Pak Med Assoc. 2016 Sep;66(9 Suppl 1):S39-44. PMID: 27582150.
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/27582150/
- The Association of British Clinical Diabetologists (ABCD), BEST PRACTICE GUIDE: Using diabetes technology in pregnancy, Versão 2.0, Mar 2020. https://abcd.care/resource/best-practice-guide-using-diabetes-technology-pregnancy
- Berget, Cari, Laurel H. Messer, and Gregory P. Forlenza. A clinical overview of insulin pump therapy for the management of diabetes: past, present, and future of intensive therapy., Diabetes Spectrum 32.3 (2019): 194-204. https://diabetesjournals.org/spectrum/article/32/3/194/32620/A-Clinical-Overview-of-Insulin-Pump-Therapy-for