Como explicar a diabetes tipo 1 a uma criança?

Explicar uma doença nunca é fácil, mas explicar a diabetes tipo 1 a uma criança pode parecer complicado e assustador.
Como é que pode iniciar a discussão? Por onde começar? A diabetes é uma doença complexa e, muitas vezes, vagamente compreendida pelos adultos que nunca tiveram contacto com a mesma.
Independentemente do motivo pelo qual quer explicar a diabetes tipo 1 à sua criança, é muito bom que o faça, pelo que deixamos algumas sugestões sobre como o fazer.
Qual é o objetivo de explicar a diabetes tipo 1 à sua criança?
É frequente os pais sentirem dificuldade em abordar tópicos mais sensíveis com os seus filhos e, por recearem seguir o caminho errado, por vezes, preferem apenas evitar falar no assunto [2]. Por isso, antes de tentar compreender qual é a forma correta de abordar a questão, é importante compreender por que motivo uma discussão aberta e honesta é essencial.
Explicar a diabetes tipo 1 a uma criança tem dois objetivos:
- fornecer-lhe a informação que ela precisa
- orientá-la no sentido de fazer a sua própria gestão da doença [3]
Embora muitas crianças tenham noção de que precisam de um tratamento, não compreendem perfeitamente os motivos para esse tratamento [4]. Mesmo quando chegam à adolescência, algumas crianças ainda sabem pouco sobre a sua doença porque o seu tratamento é, na maioria das vezes, assumido apenas pelos seus pais [5]. É por este motivo que não deve ter receio de explicar a diabetes tipo 1 a uma criança, desde cedo. Compreender a sua doença é fundamental para uma transição bem-sucedida da responsabilidade dos pais para as suas crianças e da sua capacidade para gerirem a sua doença. O conhecimento estimula o seu envolvimento, leva as crianças a assumirem o seu tratamento e transmite-lhes confiança [3,4,5].
Utilize uma linguagem simples, de fácil compreensão e positiva
Simplicidade é um aspeto elementar para uma boa explicação [6]. A informação que transmite deve ser adequada à idade, ao vocabulário e à compreensão que a criança tem do mundo [3,5,7].
Quando explicar a diabetes tipo 1 a uma criança, tente utilizar uma linguagem simples e evite qualquer tipo de jargão médico e palavras complexas.
Que palavras deve usar para descrever a diabetes a uma criança?
Para encorajar o seu interesse e envolvimento, use adjetivos positivos para descrever o tratamento como, por exemplo, “maravilhoso”, “fantástico”, “mágico” ou “especial”. Estas palavras podem ajudar a tornar certos tratamentos, tais como as injeções de insulina , muito menos alarmantes. É por isso que muitos dos materiais educativos sobre a diabetes tipo 1 para crianças recorrem a imagens de fantasia e descrevem os medicamentos e/ou os médicos como tendo poderes mágicos [3].
De forma a simplificar, considere usar analogias nas suas explicações, comparando o corpo humano com outras coisas mais fáceis de relacionar pela criança. Sem dúvida que a diabetes implica processos complexos e invisíveis, e pode ser difícil uma criança imaginar tudo isso [7].
Pode ilustrar as suas explicações com a ideia de um carro. Isto seria o equivalente ao corpo humano.
Explique à criança que um carro precisa de combustível para trabalhar, tal como o corpo precisa de açúcar para funcionar. Se o carro tiver uma avaria, já não pode usar o combustível. Acontece o mesmo nas pessoas com diabetes, que já não podem usar o açúcar como combustível porque o seu pâncreas não está a funcionar corretamente.
Tente manter a conversa ligeira, mas sempre honesta
Acha que pode evitar sensações de aflição e ansiedade na criança ao ocultar determinada informação? Embora as suas intenções sejam as melhores, terá provavelmente o efeito oposto ao esperado e isso vai resultar numa sensação de inquietação porque a criança sente que não conhece bem a doença [3,8].
As crianças que vivem com diabetes devem ter total noção do risco das complicações, porque a ignorância sobre a sua doença pode impedir que sejam rigorosas em relação ao seu tratamento [3]. Se elas compreenderem os processos fundamentais envolvidos na doença, estarão mais recetivas a fazer as alterações necessárias [7].
Disponibilize informação que explique claramente a causa e o efeito
As crianças são curiosas por natureza. Estão sempre a fazer perguntas durante as suas conversas com os adultos porque querem compreender ativamente o que se passa [8,9,10].
Quando se trata da diabetes tipo 1, independentemente de a criança ser afetada de forma direta ou indireta pela doença, ela vai fazer perguntas, e é fundamental disponibilizar informação consistente e lógica. De facto, diversos estudos revelam que as crianças estão conscientes da qualidade das explicações que recebem [8,9]:
- a partir dos 4 anos, conseguem detetar informação ilógica e inconsistente e não se deixam enganar por uma resposta que, na realidade, não responde à sua pergunta [8]
- com 5 anos, dão mais importância à informação lógica e consistente [8]
- a partir dos 6 anos, preferem explicações que ofereçam informação nova [8].
As crianças preferem explicações de causa e efeito [9,10] e, se a resposta apresentada não for satisfatória, insistem na pergunta uma e outra vez até ficarem esclarecidas [10].
Que tipo de respostas deve evitar?
Evite respostas fechadas como “Não sei” ou “porque sim” [10]. As suas respostas precisam de ser explicativas, por isso, não hesite em partilhar o seu conhecimento e dedique tempo a debater o assunto de forma aprofundada [6].
As explicações causais são muito vantajosas para as crianças. Além de facilitar a sua reflexão, também faz com que elas queiram saber mais. Será mais fácil recordarem-se dessa informação, pelo que será mais provável que utilizem o seu novo conhecimento [6,7,8,9,10].
Recorra a imagens, livros e suportes digitais
Livros, imagens, livros de colorir, aplicações… Existem muitos materiais educativos divertidos e terapêuticos disponíveis para ajudar a explicar a diabetes tipo 1 às crianças. Concebidos para serem apelativos e criarem impacto, podem apresentar explicações e encorajar a autogestão da doença [3,4].
Os meios visuais ajudam, especialmente, na compreensão de ideias mais complexas [3]. Escolha imagens com cores vivas, porque chamam a atenção das crianças mais jovens e promovem o seu envolvimento [3,5].

Os livros são outra excelente forma de explicar um assunto, deixar as crianças a pensar e iniciar conversas sobre as suas preocupações [2]. A leitura é uma parte muito importante da infância. Permite que as crianças abordem algumas das complexidades da vida num ambiente seguro: a identificação com personagens e situações fictícias serve de preparação para lidarem com assuntos sensíveis. Os livros também ajudam a que se sintam menos sozinhas, porque compreendem que as suas experiências também podem ser partilhadas por outros [2].
Se interromperem com uma pergunta ou comentário, ouça de forma paciente e apresente as respostas que forem necessárias até ficarem satisfeitas. Também pode fazer-lhes perguntas, para que relacionem mais facilmente as suas próprias experiências de vida com as das personagens no livro [2].
Recorra à brincadeira e ao faz de conta
Tal como os livros, a brincadeira ajuda a iniciar a interação com a criança [1]. Pode explicar a diabetes de uma forma engraçada, ao contar uma história com fantoches, peluches ou bonecas [1]. Não hesite em integrar diferentes brinquedos/personagens e identifique-os com nomes curtos e fáceis de recordar (Zé, Chico, Lili...) para que as crianças se identifiquem com elas mais facilmente [3].
Em contexto de doença ou hospitalização, as atividades com brincadeiras não só ajudam as crianças a desenvolver o seu conhecimento sobre a diabetes tipo 1, como também permitem compreender as necessidades de tratamento para evitar futuras complicações [1,4].
Vários estudos demonstraram que as crianças veem as agulhas como sendo dolorosas e assustadoras. Se forem sujeitas a procedimentos médicos desagradáveis sem compreenderem os motivos para essas ações, os níveis de medo e ansiedade vão aumentar [11]. As histórias ajudam a reduzir o stress, medo e dor nas crianças [1], porque se familiarizam com a situação e compreendem o que lhes está a acontecer [11]. Contar histórias através de uma brincadeira pode ser muito importante, especialmente quando tem a responsabilidade de lhes administrar o tratamento, como as injeções de insulina . Ao compreenderem a sua importância, as crianças ficam mais recetivas a aceitar um tratamento potencialmente doloroso ou perturbador e aceitam a sua integração na sua rotina diária [1,4].
Fontes
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- Marina N F Arruda-Colli, Meaghann S Weaver, Lori Wiener. Communication About Dying, Death, and Bereavement: A Systematic Review of Children’s Literature. J Palliat Med. 2017; 20(5):548-559. doi: 10.1089/jpm.2016.0494.
- Noyes JP, Lowes L, Whitaker R, et al. Developing and evaluating a child-centred intervention for diabetes medicine management using mixed methods and a multicentre randomised controlled trial. Southampton (UK): NIHR Journals Library; 2014 (Health Services and Delivery Research, No. 2.8.) Chapter 2, Comparison of diabetes clinical guidelines with children’s diabetes information, and critical discourse analysis of selected children’s diabetes information.
- Léia Alves Kaneto, Elaine Buchhorn Cintra Damião, Maria de La Ó Ramallo Verissimo, Lisabelle Mariano Rossato, Aurea Tamami Minagawa Toriyama, Regina Szylit. Educational Workshop using games improves self-monitoring of blood glucose among children. Rev Lat Am Enfermagem. 2018; 26:e3039. doi: 10.1590/1518-8345.2400.3039
- Nina A Zeltner, Mendy M Welsink-Karssies, Markus A Landolt, Dominique Bosshard-Bullinger, Fabia Keller, Annet M Bosch, Marike Groenendijk, Sarah C Grünert, Daniela Karall, Beatrix Rettenbacher, Sabine Scholl-Bürgi, Matthias R Baumgartner, Martina Huemer. Reducing complexity: explaining inborn errors of metabolism and their treatment to children and adolescents. Orphanet J Rare Dis. 2019; 14(1):248. doi: 10.1186/s13023-019-1236-9.
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